quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Bernardo Buarque de Hollanda analisa o racismo no futebol






Embora o ano de 2014 tenha sido excelente para o futebol, em termos técnicos, há um grande problema a ser combatido à exaustão: o racismo. Com uma quantidade assustadora de casos divulgados pela mídia neste ano, a discriminação de jogadores negros é a questão principal, mas o futebol está repleto de preconceitos que às vezes nem salta aos olhos, de tão introjetada no imaginário dos fãs do esporte bretão.

De tantos episódios de racismo nesta temporada, as provações a Daniel Alves, do Barcelona, e a Aranha, do Santos, foram as que mais chamaram a atenção. No caso do lateral da Seleção Brasileira na última Copa, torcedores do Villareal atiraram uma banana contra ele. Já para o goleiro santista, torcedores do Grêmio o chamaram de macaco após uma derrota. Nem com a ação dos clubes, das federações e da FIFA, os torcedores se sentem envergonhados de seguir praticando estes crimes.

Bernardo Buarque de Hollanda escreveu livros sobre o comportamento das torcidas

Maior especialista do Brasil em comportamento de torcidas, o historiador Bernardo Buarque de Hollanda explica que nos casos europeus os atos racistas têm relação estreita com o forte sentimento nacionalista. Porém, para ele, é curiosa a manifestação racista no Brasil, que acima de tudo é um país miscigenado na sua formação racial.

- Não se trata, necessariamente, de racismo nos termos conhecidos na Europa, onde o componente racial vem atrelado à xenofobia. A peculiaridade do tipo de preconceito existente é que no Brasil ele manifesta-se em meio à miscigenação. A ambivalência, neste sentido, é justamente o fato de a integração e mesmo a idolatria a jogadores de origem negra não abolirem representações discriminatórias contra a cor da pele, o que vem desde Leônidas da Silva, nos anos 1930.

Buarque de Hollanda ressalta que o fenótipo é um algo muito importante na sociedade brasileira. E que qualquer aspecto de diferença é motivação para gerar provocações entre torcedores. Ele lembra que o a Seleção do Brasil foi vítima de racismo na América do Sul por conta dos escravos de descendência africana.

A desqualificação dos times adversários é um expediente provocativo usual entre as torcidas, desde a massificação dos estádios. Os brasileiros, quando jogavam os campeonatos sul-americanos na Argentina e no Chile, eram chamados de "macaquitos", referência pejorativa que vinha da Guerra do Paraguai, quando soldados negros, e ainda escravos, eram alforriados após a luta. Portanto, a cor da pele é um dos estereótipos que pode ser acionado por torcedores oponentes, de modo a denegrir o rival.

Banana jogada para Daniel Alves, no estádio do Villareal. Foto: Getty Images
Por conta disso, o historiador não acredita que os torcedores gremistas não tiveram intenção de ofender o goleiro Aranha. Bernardo Buarque de Hollanda diz que as alegações, entre elas a de que o grito de "macaco" também é uma referência ao rival, se baseiam numa imprecisão dos termos "cor" e "raça", vocábulos polissêmicos na linguagem brasileiro, para ele.

Baseado em conceitos de teóricos franceses do século XIX, Buarque de Hollanda diz que a formação de uma multidão de desconhecidos gera uma sensação de impunidade em cada indivíduo, o que seria reproduzido dentro de um estádio, nos dias de hoje. Esse anonimato encorajaria comportamentos emotivos, mas também agressivos da massa.

- Dentro da coletividade, é compreensível o comportamento pulsional do homem, de acordo com Gustave Le Bon e Gabriel Tarde, entre outros. Eles não falavam disso relacionado ao futebol, é claro, mas a qualquer movimento de massa, seja ele político, cultural ou social. Os esportes tornaram-se um ingrediente disso, pois os estádios se agigantaram com o tempo, a exemplo de Wembley e do Maracanã, com capacidade para mais de cem mil pessoas - afirma Buarque de Hollanda, acrescentando que não por isso enxerga os estádios necessariamente violentos.

Relembre alguns dos casos de racismo deste ano:




















Bernardo Buarque de Hollanda pondera que apesar de casos como estes, no Brasil e no mundo, a violência que precisa ser mais combatida está fora dos estádios, ou arenas, afinal dentro destes espaços a vigilância é crescente. Mesmo assim, mais do que monitoramento ou punições, a principal estratégia para coibir crimes de racismo e afins deveria ser o desencorajamento à prática e o constrangimento dos autores. Contudo, ele reconhece que a situação a qual foi exposta a torcedora do Grêmio Patrícia Moreira, flagrada por câmeras de TV no ato da ofensa, foi exagerada:

- A estratégia dos organizadores de campeonatos de punir os clubes pelas infrações cometidas por seus torcedores nos estádios é eficaz. Mas a torcedora gremista virou um verdadeiro bode expiatório no episódio do Aranha - conclui.

Aranha foi chamado de macaco por pelo menos todo um setor da torcida gremista ao vencer uma partida da Copa do Brasil lá.

5 comentários:

  1. O racismo é uma praga que ainda viola nossa sociedade. Deve ser combatido de forma incessante em todos os meios.

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  2. Que o racismo deve ser combatido não se discute, é quase unânime, mas o que vocês acham de punições que se aplicam diretamente aos clubes envolvidos? O exemplo rápido que me vem à cabeça é o do Grêmio, que, como se sabe, foi excluído de uma competição em decorrência de atos isolados. Vocês acham isso correto? O STJD pode e deve intervir dessa maneira, nesses casos?

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    1. Achei exagerada a punição ao Grêmio, até porque prejudicou o time e não o verdadeiro infrator, que não é apenas a Patrícia Moreira, mas a torcida de maneira geral. Eu acho que seria muito mais efetivo punir o clube com uma multa decente (o valor aplicado ao Grêmio foi de apenas 54 mil reais) e colocar jogos sem torcida por quanto tempo for necessário. Ainda mais depois do jogo entre Grêmio e Santos pelo Brasileirão, que a torcida gremista, que é uma das mais bonitas no Brasil inteiro, na minha opinião, repetiu o vexame.

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  3. Excelente matéria! Infelizmente, o racismo tem sido frequente no futebol e em outras áreas na sociedade. É preciso que haja uma punição forte contra essa prática.

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  4. Inaceitável qualquer tipo de ato racista. Principalmente no esporte, que deveria ser um ambiente de integração.

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